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terça-feira, 27 de abril de 2010

Luz de lanterna, sopro de vento

Um adeus
Tendo o marido partido para a guerra, na primeira noite da sua ausência a mulher acendeu uma lanterna e pendurou-a do lado de fora da casa. "Para trazê-lo de volta," murmurou. E foi dormir. Mas, ao abrir a porta na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. "Foi o vento da madrugada," pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar. À noite, antes
de deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância deveria indicar ao seu homem o caminho de casa.Ventou de madrugada. Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger das argolas da lanterna. E de manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.
Naquela noite, antes de acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas. "Na certa não ventará," disse em voz alta, quase dando uma ordem.
E encostou a chama do fósforo no pavio. Se ventou ou não, ela não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a casa desaparecia nas trevas. Assim foi durante muitos
e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o vento, com igual constância apagava. Talvez meses tivessem passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe recortada contra a luz que lanhava em sangue o horizonte, a silhueta escura de um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na
sua direção. Aos poucos, apertando os olhos para ver melhor, destinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre lábios abertos. E já podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir.
Era seu marido que vinha. Apeou o marido. Mas só com um braço rodeou-lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada. Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.Que não se iludisse. A guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar. "Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir," disse-lhe quase ríspido. "Brilha por trás das minhas
pálpebras fechadas, como se me chamasse. "Só de madrugada depois que o vento sopra posso adormecer."A mulher nada disse. Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia distante, protegido pelo couro da couraça."Deixe-me fazer o que tem de ser feito, mulher," disse sem beijá-la. De um sopro apagou a lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pode sequer vê-lo afastar-se contra o céu.A partir daquela noite, a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não fosse a chama acender-se por trás das pálbebras do marido. No escuro, as noites se consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém que era tanto.E, passado , num final de tarde em que a soleira da porta despedia-se da última luz no horizonte, viu desenhar-se lá longe a silhueta de um
homem. Um homem à pé que caminhava na sua direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos ombros cansados. Contorno doce, sem couraça, retendo o sorriso nos lábios- tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não podia ver-lhe o rosto, oculto entre a barba e o chapéu, quando deu o primeiro passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava da guerra. Não precisou perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar. Quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não
tivesse chegado, acendeu a lanterna. Só entrou com a mulher. E fechou a porta.

"O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!"

Me diga

Levou o manequim de madeira à festa porque não tinha companhia e não queria ir sozinho.

Gravata bordeaux, seda. Camisa pregueada, cambraia. Terno riscado, lã. Tudo do bom. Suas melhores roupas na madeira bem talhada, bem lixada, bem pintada, melhor corpo. Só as meias um pouco grossas, o que porém se denunciaria apenas se o manequim cruzasse as pernas. Para o nariz firmemente obstruído, um lenço no bolsinho.

No relógio de ouro do pulso torneado, a festa já tinha começado há algum tempo.

Sorridentes, os donos da casa se declararam encantados por ter ele trazido um amigo.

— Os amigos dos nossos amigos são nossos amigos — disseram saboreando a generosidade da sua atitude. E o apresentaram a outros convidados, amigos e amigos de nossos amigos. Todos exibiram os dentes em amável sorriso.

Recebeu o copo de uísque, sua senha. E foi colocado no canto esquerdo da sala, entre a porta e a cômoda inglesa, onde mais se harmonizaria com a decoração.

A meia hilaridade pintada com tinta esmalte e reforçada com verniz náutico exortava outras hilaridades a se manterem constantes, embora nenhuma alcançasse idêntico brilho. Abriam-se os transitórios vizinhos em amenidades que o compreensivo calar-se do outro logo transformava em confidências. Enfim alguém que sabia ouvir. Relatos sibilavam por entre gengivas à mostra e se perdiam em quase espuma na comissura dos lábios. Cabeças aproximavam-se, cúmplices. Apertavam-se as pálpebras no dardejado do olhar. O ruge, o seio, o ventre, a veia expandida palpitavam. O gelo no uísque fazia-se água.

A própria dona da casa ocupou-se dele na refrega de gentilezas. Trocou-lhe o copo ainda cheio e suado por outro de puras pedras e âmbar. Atirou-se à conversa sem preocupações de tema, cuidando apenas de mantê-lo entretido. Do que logo se arrependeu, naufragando na ironia do sorriso que lhe era oferecido de perfil. A necessidade de assunto mais profundo levou-a à única notícia lida nos últimos meses. E nela avançou estimulada pelo silêncio do outro, logo úmida de felicidade frente a alguém que finalmente não a interrompia. No mais frondoso do relato o marido, entre convivas, a exigiu com um sinal. Afastou-se prometendo voltar.

O brilho de uma calvície abandonou o centro da sala e coruscou a seu lado, derramando-lhe sobre o ombro confissões impudicas, relato de farta atividade extraconjugal. Sem obter comentários, sequer um aceno, o senhor louvou intimamente a discrição, achando-a, porém, algo excessiva entre homens. Homens menos excessivos aguardavam em outros cantos da sala a repetição de suas histórias.

Não acendeu o cigarro de uma dama e esta ofendeu-se, já não havia cavalheiros como antigamente. Não acendeu o cigarro de outra dama e esta encantou-se, sabia bem o que se esconde atrás de certo cavalheirismo de antigamente. Os cinzeiros acolheram os cigarros sem uso.

Um cavalheiro sentiu-se agredido pelo seu desprezo. Um outro pela sua superioridade. Um doutor enalteceu-lhe a modéstia. Um senhor acusou-lhe a empáfia. E o jovem que o segurou pelo braço surpreendeu-se com sua rígida força viril.

Nenhum suor na testa. Nenhum tremor na mão. Sequer uma ponta de tédio. Imperturbável, o manequim de madeira varava a festa em que os outros aos poucos se descompunham.

Já não eram como tinham chegado. As mechas escapavam, amoleciam os colarinhos, secreções escorriam nas peles pegajosas. Só os sorrisos se mantinham, agora descorados.

No relógio torneado do pulso rijo a festa estava em tempo de acabar.

As mulheres recolhiam as bolsas com discrição. Os amigos, os amigos dos amigos, os novos amigos dos velhos amigos deslizavam porta afora.

Mais tarde, a dona da casa, tirando a maquilagem na paz final do banheiro, dedos no pote de creme, comentava a festa com o marido.

— Gostei — concluiu alastrando preto e vermelho no rosto em nova máscara —, gostei mesmo daquele convidado, aquele atencioso, de terno riscado, aquele, como é mesmo o nome?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Pior que o fim do mundo


O mês mais triste de todos, o mais sem importância, o mais incapaz, o mais terrível. Será drama? Um sonho que nunca me veio à cabeça, resolveu vir. Lágrimas inesperadas de uma alma sempre triste, mas feliz, com amor, sonhos, sonhos. Necessitaria, um psicólogo? Todos de acordo, menos a imagem de si mesma, ela está sozinha, quer recusar, quer, sua alma fala, não como soaria à sua boca. Embora nunca tivesse corpo de pedra, abril a derrete inteiramente. "Mas a pedra não tem voz, nem lágrimas." Ela dizia "calma", e calma não adiantava, ela quer sossego, paz, sua filha ao lado de sua amiga. Ela sonhou com alguém diferente do seu amor, não, não, isso é loucura. Seu coração, porém, já tem dono, não se destrai outrém. E isso, realmente, importa? Quem irá saber? Quem irá questionar? Ela está só, de qualquer modo. Não sei dizer se alguém pode ajudá-la... ela precisa, seu coração grita, seu coração morre, seu coração apodrece, junto com seus fígados e pulmão. Não suporta, não suporta mais... Sonho que, agora, não tem mais importância como a pressão que fez logo depois que apareceu. Será traíção? Será peso na consciência? Claro, é o que estou tentando expressar por aquela pobre... abandonada. Alguém a ama? Ama com fervor? Talvez... mesmo que apaixonada, sente ausência disso, mas, silêncio. O que ele irá pensar, se.? O que ele irá pensar se imaginar de seu sonho, vai... vai voltar. Para o passado, que mais uma vez maldito, sempre vêm à atormentá-la. Pobre, pobre. Ela chora, como escorre lágrimas, fundas, grossas, que assam seus olhos e deixa-os cada vez mais fundos e imperfeitos do que já são, que a deixa mais proveniente de feiura (o que todos nós já estamos acostumados) mas nada que irá surpreender, não. O que surpreende é este olhar triste, sem afago, sem amor, sem ternura. Aquele olhar que chora só de ouvir sua voz, com calmeza e atenção. É, isso mesmo o que ela quer! Atenção, atenção só para ela. Alguém dá isso hoje em dia? (tempo para pensar, 1,2,3,4,5,6,7,8,9...) Não... infelizmente, ela sofre. Ouçam-a! Escutem suas lágrimas rolarem ao chão, escutem os gritos de sua alma, escutem a ausência de paixão, escutem as vozes que a seguem! Ajudem-a, ajudem-a... E aqui eu peço este pedido de socorro à ela. Por favor... Porque todos estão contra ela? Perdida, está. O pior mês, o pior sofrimento.
"A gente grita, chora, entra em convulsão, como se houvesse na vida alguma coisa que fôsse digna desses gritos, dessas lágrimas, dessa agitação. E nem mesmo é verdade. Nada é irreparável, porque nada tem importância. Por que não ficar na cama a vida inteira?" Eles a forçarão a comer, eles a farão engloir tudo, tudo o quê? Tudo o que ela vomita, sua vida, a dos outros com seus falsos amores, suas histórias de dinheiro, suas mentiras. Eles a curarão de suas recusas, de seu desespero. Não. Porque não? Aquela toupeira que abre os olhos e que vê que está escuro, de que isso lhe adianta? Fechar de novo os olhos. Que fizeram de mim? Essa mulher que eu vomito. Abram-lhe os olhos imediatamente e talvez um raio de luz se filtrará até ela, talvez escape... De quê? Dessa noite. Da ignorância, da indiferença.
Talvez seja tudo drama meu.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Depois da enchente


Já não me sinto tão mal em relação ao que disse pra me manter aqui, tão longe do seu olhar sempre a me criticar. E se eu disser que não dói tanto assim saber que já não sou o motivo pra te fazer sorrir...
nem quem segura a sua mão, quando já não é preciso dizer mais nada.

E a vida segue pra mim
Afinal, as contas vão chegar e meu endereço elas sabem de cor, e você também deve saber, talvez resolva aparecer... E se eu disser que não dói tanto assim, saber que já não sou o motivo pra te fazer sorrir, nem quem segura a sua mão quando já não é preciso dizer que eu não entendo
não entendo
você
não entendo
não entendo você

Imagine então se nada mais pudesse nos prender e eu de fato conseguisse enfim viver como deveria ser. Que minha solidão me sirva de companhia, que eu tenha a coragem de me enfrentar, que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. E mesmo assim, preciso de você, enquanto tento me confortar assim.

"Não que sozinhos não conseguiremos felicidade; mas acredite, as pessoas mais solitárias são as que precisam mais ser amadas."

terça-feira, 6 de abril de 2010

Ela

"Mas que eu só recorde a minha dor! Que eu não chame com amargas censuras uma nuvem sobre a tua clara e tranquila felicidade, que não desperte no teu coração o arrependimento nem o amargure com um secreto remorso ou o obrigue a bater com tristeza nos momentos de alegria. Que não faça fernecer as ternas flores que colocarás nos teus cabelos negros no dia em que irás com ela... isso nunca! Nunca! Que o teu céu seja luminoso, que seja claro e sereno o teu gentil sorriso e bendito sejas tu próprio pelo minuto de felicidade e de alegria que proporcionaste a um coração solitário e grato."
Deves seguir o teu caminho, fazer das tuas noites brancas, fazer do teu sol ardente e fluorescente, fazer da tua vida flores e fragância! Eu fui uma pedra no teu caminho, deves-a pular, chutar ou desviar, ou apenas guardá-la no bolso, como uma simples lembrança nesta pequena viagem. A vida é longa, e curta! Prefiro vers-te sorridente, com um brilho no olhar, do que enganar-me! Voltaremos a encontrar-nos, e meu amigo, perpetuamente será. "Obrigado por esse amor! Ele está impresso na minha memória como um sonho delicioso, daqueles que recordamos muito tempo depois de termos já despertado." Não quero nenhum tipo de gratidão, não quero que me dê ofertas à esse meu coração magoado! Me perdoe, eu que devo lhe pedir desculpas. Não tente me conservar, destino é destino, e teu destino não foi e nunca será amar-me. Não tente abafar esse sentimento, foi tudo um deslance. Não queira me proteger, posso até ser frágil, mas você tem outros planos, eu mesma me pouparei de tudo. Agradeço-lho, verdadeiramente... Por tirar-me desta ilusão até antes de eu afundar-me demasiadamente. Conservarei esta recordação.
É claro que você me enganou! Mas enganei-me a mim própria, sem intenções, ambos. Você me encantou, não nego, e percebo, sem querer, que você é incrível. Que posso fazer eu, que tudo já estava traçado? Talvez não teríamos dado certo, e nunca nesta situação.
Não tenho certeza se aquilo que senti era amor mesmo, mas seja lá o que for (e mesmo, vou chamar de amor, mesmo que seja algo irreconhecível), mas isso me emocionou, mudou minha vida, mas não era pra ser, e ponto. Foi melhor assim e agora, do que mais tarde, para ter sido iludida nas minhas esperanças, mesmo sabendo que era perigoso. "Talvez todo o meu amor não tenha passado de uma ilusão dos sentidos e da imaginação, talvez tenha começado por criancice, por tolice..." Mesmo que eu ainda te ame! Não me amas, e nada deve ser forçado! Se o fazer mais fará eu me afundar, não tenha piedade, mas não abandone o seu destino, não queira ser grato, abandone esta idéia, mas nem mesmo por gratidão, não aceitarei tal condição! Termine o que começou, ou simplesmente não termine, leve-o para sempre, porque o Amor não é descartável, não apenas se não for verdadeiro. Vou deixá-lo, eis tudo! Só quero que me mande embora, logo, de uma vez só, e ponto final. Não me proteja, não! Fuja. Se não se afundará mais do que eu, antes um do que todos nós! Suma, sem rancor, não pense que me destruiu, pois bem, eis-me aqui. Foi irrealizável. Não me mande embora! Eu já queria fugir para longe de si, se eu já o soubesse de que ocorrera... Só queria que escutasse essas palavras que acabei de dizer-lhe, Homem livre. Eu que lhe peço desculpas, eu eis que terei de protegê-lo! Meu crime foi amá-lo, o meu único crime! E agora minha penitência é ficar sem você, mesmo, não será difícil. Eu fui tola, apenas me deixei levar. Crime, crime horrível... Pensei só em mim, nem sabia se me queria, se agora sei que querias outra. Meu crime foi ter te afastado mais dela, e tentado te aproximar mais de mim, mesmo sendo falho. Ah, como fui tola! Achei até que namorávamos fervorosamente, e você nada queria, como estava cega. Egoísta, eu fui egoísta sim! Demasiadamente... Egoísta! Não consigo dominar minha perturbação. Como pôde pensar na possibilidade de me enganar? Esconder que a amava? Esconder que CANSOU de se iludir? Esconder que me largou para ir aos braços dela? O Amor é assim! Não pode haver barreiras, não pode haver mentiras. Eu fui uma pedra, uma grande pedra no seu caminho. A melhor coisa que fizeste foi ter voltado para ela. Como pôde se enganar, pra tentar esquêce-la, ela também, pobre mulher. Pff, suma de uma vez, mesmo que lágrimas caiam em meu rosto, mesmo que meu coração ainda bata por você, suma. Desapareça. Você iludiu-se, iludiu-me, iludiu-a. Agora saia, me deixe com o que tenho.